Toda vez que um consumidor atrasa as contas de água, luz, gás, telefone, etc. paira a dúvida acerca da possibilidade, ou não, do corte do fornecimento. Sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, os serviços prestados pelas concessionárias de serviço público são essenciais.
Fica então a pergunta: estão os serviços essenciais sujeitos a corte de fornecimento?
Sob o aspecto do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo art. 1º, III da Constituição Federal, que se irradia para o Código de Defesa do Consumidor na forma de princípio da dignidade do consumidor, art. 4º, “caput” do CDC, não pode haver o corte de fornecimento, porque não há como viver sem água e sem luz, principalmente, com sadia qualidade de vida.
Obrigar o consumidor a viver no escuro ou sem água significa afrontar diretamente a sua dignidade. No que diz respeito à água, trata-se até de uma questão de saúde pública, podendo o consumidor adoecer, por conta do corte de seu fornecimento.
Chega o corte do fornecimento de água a colocar em risco o bem maior do consumidor que é a sua vida.
Telefone e gás são menos indispensáveis à vida do consumidor, mas, ainda assim, proporcionam-lhe conforto e tempo para a lida dos seus afazeres diários, donde se conclui que também o seu corte implica em depreciação da qualidade de vida.
Enfocando a questão segundo o CDC, portanto, seria impossível o corte de fornecimento desses serviços essenciais, por afrontar um princípio de direito, que é mais do que uma lei, consistente na dignidade do consumidor.
Resta saber como está sendo decidida a questão no âmbito dos nossos Tribunais.
Cumpre notar, nesse sentido, que o Superior Tribunal de Justiça, na maioria dos casos que julga, está decidindo ser possível o corte da prestação de serviço essencial desde que, avisado previamente da sua condição de devedor, o consumidor não tome qualquer atitude para sanar o problema.
O fundamento dessas decisões não está no CDC, mas sim no também princípio de Direito Administrativo segundo o qual o interesse público prevalece sobre o interesse particular.
Traduzindo, fosse observado o CDC e os consumidores continuariam se utilizando da água, da luz, etc. durante o período de inadimplemento, enquanto pendesse a ação judicial. Isso, dado o elevado nível atual de inadimplência, representaria a inviabilização econômica das concessionárias de serviço público, na medida em que o devedor só seria obrigado a pagar ao final do processo judicial, quando já tivesse usufruído, gratuitamente, anos e anos de serviços públicos.
Sem sombra de dúvida, ainda que se trate de um procedimento ilegal diante do CDC, o corte do fornecimento de energia acaba desmotivando o inadimplemento e, principalmente, o inadimplemento contumaz, fazendo com que só deixe de pagar quem realmente é miserável.
E esses miseráveis continuarão no escuro, sem água, e com as suas condições de vida depreciadas em prol do interesse comum, consistente na manutenção da atividade econômica das concessionárias, sem a qual a vida de todos, e não só dos inadimplentes, seria penosa.
Entre dois males, um individual e outro coletivo, optou a jurisprudência pelo menor deles.
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