Repercussão de uma escrita
Por: Ademiro Alves (Sacolinha)
Passava da meia-noite do dia 23 de setembro, quando o jovem Gregório vinha cansado do serviço, pedalando em sua bicicleta e com uma mochila pesada dependurada nas costas.
- Fica quietinho aí e levanta as mãos. Está vindo da onde?
- Do serviço.
- O que tem na mochila?
- Cultura.
- Que foi maluco, está me achando com cara de trouxa, abre logo essa porra.
Gregório abriu a mochila e retirou uma marmita vazia, uma toalha de rosto e alguns livros, entre eles havia um sobre o Código Civil,
O policial Militar riu exageradamente:
- Está pensando que vai me enganar. Um preto de calça frouxa com uns livros na mochila á essa hora na rua. Quero ver os bolsos, o que tem neles?
Revistou os bolsos da calça de Gregório e encontrou apenas um celular.
- Eu quero a nota fiscal, tem a nota dele?
Pra surpresa do PM, Gregório retirou do compartimento da carteira a nota fiscal do aparelho. O policial conferiu e desconfiado falou:
- É o seguinte, tem nota fiscal, mas vou levar, já era, quem manda ficar na rua essa hora.
- Desculpe senhor, mas eu conheço os meus direitos...
O funcionário da pátria tirou a arma da cintura e encostou-a no queixo de Gregório:
- Você é educado assim, ou está com medo dessa beleza aqui?
O jovem permaneceu inerte sem nada responder, o policial continuou:
- Você pode conhecer o direito que quiser, mas nenhum vai te ajudar se eu despejar umas duas balas nessa cabeça de Paraíba. Pensa que só porque lê não corre perigo de morrer?
A avenida em que estavam, permanecia vazia, nenhum carro a passar:
- Faz o seguinte, fica com essa merda, não vale nada mesmo, vou perder tempo pra vender isso aqui. Pega e sai correndo, antes que eu mude de idéia e te mando pro inferno.
Gregório levantou a bicicleta, montou, e antes de pedalar olhou para o policial. Como se os olhos de Gregório fosse uma máquina fotográfica, tirou uma foto.
O policial ainda gritou:
- Que foi, não quer ir embora não é?
Deu um impulso em sua magrela e pedalou, pedalou até que chegou em casa.
Depois de tomar banho e ter jogado qualquer coisa no estômago, sentou na frente do computador e começou a escrever algo que dois dias depois foi para a coluna do jornal de seu município.
Com o prazer da escrita que já vinha tendo nos últimos anos e com a qualidade introduzida em seus textos conseguiu um espaço como colaborador de um jornal. Não perdeu a oportunidade. No dia em que sua coluna foi publicada, se sentiu vingado. A riqueza de detalhes com que descreveu uma cena em que um cidadão é abordado por um policial corrupto e sem escrúpulos, chamou a atenção de muitos. A redação do jornal foi bombardeada de e-mails e correspondências com as mais diversas opiniões dos leitores sobre o texto publicado. De manhã vários policiais em suas delegacias comentavam a coluna, visivelmente nervosos.
Gregório teve acesso a alguns desses e-mails. Viu-se satisfeito com a repercussão, e mais uma vez se sentiu feliz por ter usado a escrita, ela fez mais estragos do que a arma do policial faria.
Desse dia em diante ele largou a bicicleta e começou a pegar ônibus.
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