É onde moro. As casas são minúsculas; umas se escorando nas outras. É que por aqui, o espaço é reduzido. Quem consegue um pedaço de chão de 3 metros quadrados já pode se considerar um latifundiário.
Becos, vielas, ruas de terra batida, escadões, um verdadeiro labirinto que serve de moradia para os esquecidos socialmente. Um lugar onde a molecada passa o dia sentada nas calçadas esburacadas. Quando não, recorrem aos pipas; um dos poucos divertimentos que a periferia possui. É onde moro.
Um lugar em que o morador é obrigado a construir um anexo ao barraco, de mais ou menos um metro quadrado, e entupir as paredes de prateleiras nas quais estarão o líquido maldito que destrói muitos lares por aqui. É onde moro. Cada um segue seu caminho quando a sua sobrevivência está na pauta do dia. Mesmo que para se salvar cause a derrocada de outros. É onde moro.
Lugar em que os fins justificam os meios. O povo daqui tem a pele escura. O povo daqui tem a pele parda. Brancos? Alguns... Mas com sangue negro circulando continuamente pelas artérias. É onde moro.
Lugar esquecido um minuto após o resultado das urnas. Lugar marginal. Não no sentido de que tem esse nome pelo fato de morar aqui somente bandidos, mas pelo fato de sermos obrigados a viver nas extremidades da cidade. Se alguém olhar o mapa dessa metrópole verá que estamos quase fora das cercanias. Estamos às margens da sociedade. Só temos valor como mão-de-obra barata para a chamada elite. Nós somos para eles a senzala dos tempos modernos. Só temos o direito de ultrapassar os limites geográficos apenas para servir os "Senhores de Engenho" das "Casas Grandes" do centro espandido da capital paulistana. Após isso, devemos retornar para não comprometer o sucesso do projeto belezura que se instalou por lá. É onde moro.
Lugar onde o Estado não dá as caras. Até dá, mas em uma forma subumana: Inimigos sob farda cinza. Lugar de gente sem oportunidades. Lugar de gente sem perspectova de futuro. Lugar de gente sem projetos de vida Para muitos, o ideal de vida é casar e morar em dois cômodos alugados, e trabalhar como auxiliar de alguma coisa. É onde moro.
Lugar em que os sonhos são reprimidos. A escola não incentiva o crescimento pessoal. Aqui, a educação, a exemplo da saúde, é uma instituição em estado falimentar. É onde moro. Lugar onde a miséria justifica o roubo. Lugar onde o desvio de conduta é a única saída para uma melhora na situação vivida. Lugar onde a tirania dos meios de comunicação, com a sua apologia do consumismo desenfreado, leva os moleques, cada vez mais novos, a um desvio na rota da vida. É onde moro.
Notícia em jornal só quando ocorrem mortes violentas. Trabalhadores que acordam às cinco da madrugada, e enfrentam lotações entupidas para irem ao trabalho, e somente às oito da noite retornam ao seio da família, infelizmente, não faz subir a audiência. É onde moro. Lugar onde a mãe não come para que os filhos não passem fome.
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