No domindo à tarde fui buscar a Andréa lá na agência onde ela trabalha. Era mais ou menos 6h20 quando estacionei o carro em frente ao prédio. A pedido de Andréa, deixei a frente do Kadett virada para a avenida 9 de julho, que era para sairmos rápido do local.
Por alguma razão, a reunião que ela participara num hotel da Faria Lima atrasou, razão pela qual fui obrigado a esperar alguns minutos além do combinado. Mas, tudo bem, eu estava tranquilo, e assim fiquei dentro do carro ouvindo música até a sua chegada.
Caro leitor, o intuito dessa prolixa introdução é o de contar a você algo que acabei percebendo naqueles minutos que fiquei observando o fluxo dos veículos de um dos mais movimentados corredores desta paulicéia.
Durante a 1h20 que fiquei olhando o passar dos carros, notei que não passou por mim nenhuma viatura da Polícia paulistana. Nenhuma sequer.
E este fato constatado me fez refletir sobre de um assunto que há muito tempo venho lendo, ouvindo e assistindo personalidades falarem a respeito, sem que eu desse a mínima, sem que eu desse para ele nem 5min de um estudo superficial, coisa que tentarei fazer a seguir nesta crônica.
Pois bem, desde o início do curso de Jornalismo, participei de muitos debates acalorados quando o professor Zeca(disciplina de Sociologia), colocava como tema de discussão o direito que a polícia tem de praticar a violência legítima contra quem ela bem entender. Nesses debates, meus colegas de classe se exaltavam contra essa legitimação da violência, dada de mãos beijadas à polícia.
No mês de maio assisti uma entrevista que o rapper carioca MV Bill deu ao Roda Viva da tv Cultura. Nela, Bill disse, entre outras coisas importantes, uma frase que corrobora para justificar a desigualdade de tratamento dispensado por policiais à parcela mais pobre da população. As palavras de Bill(confirmadas na entrevista deste mês da Caros Amigos), me vieram à mente naqueles minutos que permaneci dentro do Kadett, na 9 de julho. Ele(que acaba de lançar um ótimo livro que relata a triste realidade dos garotos que vivem nas favelas do país sob o título Cabeça de Porco, que aliás, eu indico para os interessados no assunto), dizia lá no Roda Viva que a repressão que a polícia exerce, e as atrocidades que cometem nas favelas são o puro reflexo da exigência que a burguesia do Brasil faz.
Por extenção dessa linha de raciocínio, o jornalista e escritor, Caco Barcellos, relata em seu livro, Rota 66(editora Record), que a maioria dos assassinatos cometidos pelas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar no início da década de 80, foram em razão dessa mesma exigência feita por empresários e comerciantes, com medo de perder parte da imensa riqueza que possuíam na época.
Para não me alongar muito vou concluir dizendo o seguinte: Sou morador de um bairro que localiza-se na periferia da zona sul dessa metrópole injusta e implacável que se chama São Paulo. E, a exemplo da maioria dos moradores, gente de bem, cidadãos que prestam contas ao governo com pagamentos contínuo de altíssimos impostos, sou testemunha ocular dessa imensa repressão que a polícia desse Estado exerce nas ruas do meu bairro.
Então, no domingo passado, lá na 9 de julho, pensava eu, enquanto aqui, neste bairro nobre, nestas ruas largas, limpas, bem arborizadas, cheias de seguranças particulares, repletas de mansões que se assemelham a castelos, num período de 1h20 não vi passar uma única viatura policial, podia imaginar que naquele exato momento, lá no meu bairro, nas ruas sujas, esburacadas, jogadas ao descaso das autoridades, vários carros da polícia estariam abordando a molecada, fazendo batidas nos botecos, perseguindo veículos "suspeitos", desmoralizando os moradores com xingamentos e palavras que, saídas das bocas oficiais, ferem os sentimentos de todos os que sempre lutaram para conseguir viver com um mínimo de dignidade.
E o que mais dói, é que essa repressão é feita por influência dos "Senhores de Engenho da Modernidade" que mandam a polícia invadir a favela para reprimir e enclausurar seus moradores para que estes não levem prejuízos a seus patrimônios no futuro. Essa é a triste realidade vivida por mim e pelo povo das periferias desta cidade. Vivemos cercados por uma barreira policial, onde só nos é permitido ir às outras áreas da cidade somente para trabalhar nas "Casas Grandes". De resto temos que ficar o tempo todo isolados do mundo.
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