Ao princípio do mês de junho, inaugurou-se a nova loja da Daslu em São Paulo, empreendimento este orçado em nada menos do que R$ 120 milhões, a atender dos mais diversos anseios e vaidades de seus clientes “vip”, onde os auto-intitulados super-ricos podem comprar desde uma singela camisa assinada por um daqueles famosos estilistas que na promoção talvez saia por míseros R$ 1 mil ou, quem sabe, vestidos ou acessórios por R$ 20 mil. Há, também, veículos importados, além da comercialização de lanchas e até helicópteros.
Em tão pomposo e imponente imóvel só não vale ir a pé. Manobristas conduzem os automóveis que ali chegam, cujo estacionamento custa R$ 30 a primeira hora. No interior do recinto, que conta com 17 mil metros quadrados, uma das dezenas de “dasluzetes” personalizam ainda mais o atendimento dos detentores da riqueza.
No dia 13 de julho, em que pese a operação da Polícia Federal sugestivamente chamada “Narciso”, e, legitimamente conduzida por força de mandados expedidos pela Justiça, culminando com a detenção dos proprietários do citado “templo de consumo”, sob a acusação de formação de quadrilha, sonegação fiscal, falsificação de documentos e contrabando, dentre outros delitos, um outro aspecto muito chama a atenção: o da terrível desigualdade econômica e social a que estão sujeitos milhões de brasileiros e estrangeiros que mundo afora não possuem sequer o que comer.
A cada ano, cerca de 36 milhões de pessoas morrem de fome ao redor do globo, sem desprezo aos elevados índices de subnutridos. Segundo dados do Banco Mundial, 2,8 bilhões de seres humanos angariam renda mensal inferior a sessenta dólares, sendo que destas, 1,2 bilhão tenta sobreviver com até metade deste valor. Para 1,5 bilhão nega-se, ainda, o acesso à água potável. Enquanto isso, quatro norte-americanos possuem, em conjunto, recursos similares ao PIB (Produto Interno Bruto) de 42 países a abarcar 600 milhões de pessoas. Com efeito, 125 milhões de crianças e jovens em idade escolar não freqüentam escolas, muitas das quais tendo de laborar, não raro, a partir dos seis ou sete anos, observe-se certas carvoarias, olarias e/ou canaviais espalhados pelos quatro cantos do país. Ainda no Brasil, tem-se 27,4 milhões de pessoas de 0 a 17 anos convivendo em famílias cuja renda per capita não ultrapassa o valor de meio salário-mínimo. Tempos atrás, em Olinda, noticiou-se que alguns indivíduos, outrora denominados “cidadãos”, se alimentavam de carne humana então encontrada no lixo de um hospital. Ressalte-se, outrossim, o aumento do desemprego aliado à falta de moradia, segregando centenas de milhares de famílias em cortiços ou favelas, sitos à margem da sociedade, tratados como objetos.
A adoção do sistema capitalista e, por conseguinte, da sua economia de mercado, têm sido desastrosa. Por grande infelicidade, atualmente, mais valiosa é a terrível lógica do “Ter”, do que a do “Ser”, sendo que o mundo não mais se divide, metaforicamente, em cidadãos, mas, sim, em potenciais consumidores de bens. Sob este prisma, não basta ser digno ou honesto, isto é analisado em um segundo plano, o que é indispensável é ter condições para consumir o maior número de produtos possíveis. Dadas pessoas passam realmente a acreditar que somente serão felizes, uma vez adquirida determinada peça de roupa, o que também proporciona um maior status, socialmente falando.
O ser humano, contudo, é mais importante que isto! Já o seu valor, este não tem preço.
Ivan de Carvalho Junqueira, 24, é bacharel em Direito
ivanjunqueira@yahoo.com.br
COMENTÁRIOS
Colaborações deste autor:
Para ver todas as contribuições deste autor, clique aqui.