Já na Antigüidade, mais precisamente em Atenas, fora desenvolvida a noção de cidadania, não obstante a divisão em três distintas classes: a dos cidadãos, composta pela elite dominante, no geral, pelos grandes proprietários de terras, como, também, por comerciantes, em suma, os detentores do poder político; a dos metecos, formada pelos alienígenas que ali passavam a residir, vindo a ocupar uma posição mediana, não lhes sendo garantidos os direitos políticos, ademais da proibição para com a efetivação de matrimônios diante das jovens atenienses; e, por fim, a dos escravos, desempenhando estes atividades ligadas ao Estado, seja no policiamento ou em cargos administrativos e/ou de limpeza pública. Em se estabelecendo, pois, um comparativo com Esparta, de educação essencialmente militar, as diferenças de uma para outra Cidade-Estado tornar-se-á ainda mais evidente.
Ao presente, porém, o que mais se observa é a falta de cidadania de milhões de pessoas, diga-se, cidadania efetiva, à sua ampla acepção. Intrinsecamente, todos somos cidadãos, tendo por reconhecidos os mais importantes e, por isto mesmo, fundamentais direitos assim inerentes a tal condição, sendo os mesmos: irrenunciáveis, inalienáveis e indivisíveis, mas que, à prática, infelizmente, vem carecendo de implementação. Temos assegurados: o direito à saúde, à alimentação, à educação, à habitação, ao trabalho e ao lazer, sem desprezo a tantos outros.
Como afirma Gilberto Dimenstein, “nota-se a ausência de cidadania quando uma sociedade gera um menino de rua. Ele é o sintoma mais agudo da crise social. Os pais são pobres e não conseguem garantir a educação dos filhos. Eles vão continuar pobres, já que não arrumam bons empregos. E aí, seus filhos também não terão condições de progredir” (O cidadão de papel. São Paulo: Ática, 1998, p. 25). Trata-se, em verdade, de uma “cidadania de papel” onde, apesar da infinidade de textos legais de há muito existentes, estes, reiteradamente, não se impõem in concreto, fazendo com que milhões de pessoas ao redor do globo não possuam sequer um mísero pão para comer, enquanto outras, de maior poder aquisitivo, só se alimentem em “fast-foods”.
A propósito, recentemente, inaugurou-se a nova loja da Daslu em São Paulo, em um investimento estimado em 120 milhões de reais, cujas camisetas chegam a custar R$ 1 mil e, onde um simples vestido, tão-só revestido por uma etiqueta de um daqueles famosos estilistas, pode ser comercializado por - “apenas” - R$ 20 mil. O contraste é ainda maior, ao se observar às redondezas do pomposo e imponente imóvel, onde moram centenas de famílias cuja renda anual se equipara ao preço de uma única peça de roupa.
De modo efetivo, quão amplo se mostra o conceito de cidadania. Segundo o Aurélio, esta é a “qualidade ou estado de cidadão”, inferindo-se desta última expressão o “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”. Às palavras da Carta de 1988, a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos: a cidadania (CF, art. 1.º, II), prerrogativa esta a nortear toda a Constituição, uma vez consagrados os direitos e as garantias à defesa da própria dignidade humana. Já em 1948, por força da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estes anseios vieram a ser expressamente tutelados.
Com efeito, cidadania, democracia e direitos humanos, a despeito das distinções de cada qual, se confundem, vindo a constituir as várias faces de uma mesma moeda, de maneira que, ofendido qualquer deles, perde toda a sociedade, aniquilando-se, por assim dizer, o primordial intento à irrenunciável persecução de um Estado mais justo e igual.
Neste atual cenário em que milhões de crianças se encontram fora das escolas, sendo o analfabetismo apenas um dentre os vários problemas a afligir o país, sem contar os alarmantes índices de exploração sexual, assim como, de trabalho infantil; onde o sistema público de saúde está falido, faltando leitos, quando não médicos, em hospitais e postos de atendimento; cujos idosos são, constantemente, desrespeitados, fazendo com que muitos, mesmo após os setenta anos, tenham de voltar ao mercado de trabalho por força de uma vergonhosa aposentadoria; e, onde, milhares de famílias brasileiras vivem em cortiços ou favelas, algumas delas embaixo de pontes e viadutos, mostrar-se-ia um grandioso absurdo, uma brincadeira das mais inconvenientes, falar-se em cidadania com “C” maiúsculo.
Ivan de Carvalho Junqueira, 24, é bacharel em Direito
ivanjunqueira@yahoo.com.br
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