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O RACISMO PARA MUITO ALÉM DO FUTEBOL

Por: Ivan de Carvalho Junqueira

            A questão racial se mostra um tema bastante complexo, de comportar, pois, uma série de pontos de vista, por vezes, contraditórios, seja pela ótica dos que vêm a atuar preconceituosamente, como, também, sob o prisma dos próprios discriminados a, por assim dizer, minimizarem tais atitudes em âmbito social em face do conformismo, pouco se importando com uma efetiva e não menos necessária mudança do statu quo. O racismo, no entanto, existe e, infelizmente, vem ganhando força, constituindo hipocrisia a afirmação de que este, porventura, haja diminuído.

            Tempos atrás, presenciou-se, uma vez mais, atos de natureza racista num estádio de futebol, quando um defensor do time do Quilmes, da Argentina, Leandro Desábato, veio a agredir, verbalmente, o atacante são-paulino Edinaldo Batista Libânio, o Grafite, dirigindo-se a este de forma pejorativa, o que veio a causar um grande alarde por parte da mídia em geral, obtendo grande repercussão. Na Europa, meses antes, atos como este também já haviam sido observados. Em um dado jogo então válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2006, entre Espanha vs. Inglaterra, bastava um singelo toque na bola para que dois atletas negros da seleção inglesa fossem humilhados, reproduzindo o público madrileño, sons de macacos, gerando, inclusive, profundo desconforto entre os governos destes países, ultrapassando, assim, a fronteira dos gramados. Em outros lugares, bananas eram atiradas em direção aos jogadores. Em março de 2005, a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), veio a multar o Deportivo La Coruña, devido aos incidentes ocorridos durante um jogo contra o Real Madrid, no qual torcedores vieram a insultar o lateral brasileiro Roberto Carlos, em cada uma das jogadas deste ao longo daquela partida.

            Tais condutas, pois, apesar de indignarem os que ainda guardam um pouco deste sentimento para com as injustiças do mundo, não constitui novidade, sendo tão-somente a conseqüência de uma sociedade, por excelência, desigual e discriminatória, não só no que se refere a esta questão, como também, em termos sócio-econômicos. A despeito disto, certos estereótipos permanecem, vindo, inclusive, a se acirrar, numa retrógrada perspectiva de que os indivíduos, para serem respeitados, hão de ser, impreterivelmente, brancos, homens e, de preferência, ricos, bem ao gosto da vaidade então adstrita ao topo desta verdadeira pirâmide humana. Houve, ao transcorrer da própria história, sujeitos a defenderem, destarte, a supremacia de uma raça (com o perdão da terminologia, vez que isto não comporta distinções) frente à outra, pelo simples fato do formato do crânio, de maneira a se cogitar de uma certa propensão ao crime de cidadãos possuidores de alguns caracteres. Ao dizer de Gilberto Freyre, “...na inferioridade ou superioridade de raças pelo critério da forma do crânio já não se acredita; e esse descrédito leva atrás de si muito do que pareceu ser científico nas pretensões de superioridade mental, inata e hereditária, dos brancos sobre os negros” (Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 18. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977, p. 294), asseverando, ainda, com bastante propriedade, que “o que se sabe das diferenças da estrutura entre os crânios de brancos e negros não permite generalizações. Já houve quem observasse o fato de que alguns homens notáveis têm sido indivíduos de crânio pequeno, e autênticos idiotas, donos de crânios enormes” (Op. cit., p. 295).

            Em consonância à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” (Artigo II, 1.ª parte). De acordo com a Constituição de 1988, “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (CF, artigo 5.º, XLII), observando-se, ainda, a vigência da Lei n.º 7.716/89, a tratar com mais vagar do referido assunto.

            Mas, não obstante a tutela legal, a discriminação persiste, o que é inegável. E, muito dificilmente, encontrar-se-á algum indivíduo que não tenha ouvido, quando não da própria boca, expressões racistas, tais quais: “Isso só podia ser coisa de preto!” ou, ainda, que “O negro só serve pra isso!”, sem desprezo às inúmeras anedotas a - apenas - acentuar, uma vez mais, o trato dos brancos com relação aos negros. E o que é pior: sob um terrível consentimento por parte da maioria na mais que absoluta naturalidade, bem longe de se sensibilizar.

            A ascensão do negro na sociedade não deve ficar adstrita ao desempenho de uma ou outra atividade laborativa, levando-se à falsa constatação da inexistência de meios bastantes ao crescimento pessoal e profissional, além do futebol, das artes ou da música, a despeito de todos os preconceitos. Noutro aspecto, o exacerbado conformismo quando do exercício de um trabalho tido por subalterno, há de ser desconsiderado, jamais sendo visto quão fosse uma desonra, sob pena de reforçar a difundida idéia já perpetuada pelas classes hegemônicas de que as pessoas da cor negra não seriam capazes de alçarem vôos mais altos, socialmente falando, o que é uma inverdade, ademais das muitas barreiras.

            À lição de Martin Luther King Jr., “nós não podemos estar satisfeitos, e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça escorra como as águas, e a integridade, como uma poderosa corrente”.

 

Ivan de Carvalho Junqueira, 24, é bacharel em Direito

ivanjunqueira@yahoo.com.br
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