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Sem lembranças!

Por: Ademiro Alves (Sacolinha)

Sem lembranças!

Ele não lembra mais de mim.

Ele se esqueceu quando entreguei panfletos e carreguei seu nome numa bandeira.

Bati em diversas portas pedindo apoio para sua candidatura. Militei demasiadamente. Comi lanches vagabundos durante dias e perdi meu único tênis.

No dia decisivo, fui um dos primeiros a ver sua foto na máquina. Fui esculachado pela polícia, na frente de dezenas de pessoas, por estar fazendo boca de urna.

E ele não lembra mais de mim.

Dois anos se passaram. Continuo no sufoco.

Acordo cedo, tomo um café ralo e saio de cabeça baixa, procurando latinhas cidade á fora.

Minha mãe trança um cabelo aqui e costura uma roupa ali.

Quando o técnico do time do futebol de várzea traz os uniformes para ela lavar, é sinal que Deus lembrou da gente.

E ele?

Ele não lembra mais de mim.

Sempre esteve por aqui mas o poder é tarefa e ele, por sua vez, se tornou um grande tarefeiro.

O seu transporte agora é avião fretado, quando não, desfila de importado.

E eu, não passo mais debaixo da catraca, cresci, entro pela porta de trás.

Eu visto a miséria e ele, a ostentação.

Ontem fumava cigarro, hoje desfruta de charutos cubanos.

Ele não lembra mais de mim.

Fui preservativo. Meteu-me nas entranhas do povo, e depois de ejacular, me descartou e foi curtir a sensação.

Hoje se veste com malhas e algodão, casimira e sedas italianas. Suas gravatas são da galeria Hernés, de Paris.

Come nomes estranhos, uns vindo do mar, outros dos grandes frigoríficos.

O carteado entre amigos foi substituído por cassinos internacionais.

Ele não lembra mais de mim.

Algum tempo atrás, foi estrategista e filósofo, até profeta, mais um profeta mentiroso.  

O tempo vai passar, e ele terá duas, três, ou mais contas bancárias.

Vai adquirir muitos conhecimentos na área em que atua, e na próxima vez, talvez não precise mais de mim. Irá pagar para o mais renomado dos marketeiros, a fim de abocanhar mais e mais votos.

É, e furtará cada vez com maior perfeição as esperanças do povo que insiste em elegê-lo.

Até quando?

Até que existam pessoas como eu que botam fé no cara, enquanto ele, bem ele jamais se lembrará de mim.

 

Ademiro Alves (Sacolinha)

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