E as estrelas continuam a brilhar
Em muitos momentos da sua vida, ela se questionou porque estava vivendo determinada situação.
Porque Deus havia permitido que passasse por tanta aflição.
Muitas vezes, acreditava que não suportaria tanto sofrimento.
E aí, como uma criança, punha-se a chorar a espera que alguém a socorresse.
Sentia vontade de largar tudo, de desistir de lutar e de se trancar no seu quarto.
Tudo a sua volta parecia tão triste e sem cor.
E a vontade de sair correndo, crescia a cada dia.
Tinha momentos que gritava exigindo a presença de Deus para explicar porque sua vida estava daquele jeito.
E como não o via, passou a duvidar de sua existência.
E assim a fé e a revolta foram aumentando.
E ela, vivia a reclamar do presente e a sonhar com dias melhores.
Porém, numa bela noite, viu seu espírito num lindo jardim, repleto de flores belíssimas e que nunca havia visto.
Sentiu uma paz tão grande e que jamais experimentara em toda a sua vida.
E enquanto estava caminhando pelas flores, sentiu uma mão a lhe tocar.
E ao virar-se viu um jovem vestido de branco, que imaginou ser um anjo, mas lhe faltavam as asas.
Não teve medo e sim a sensação de já o conhecia de algum lugar...
E ele sorria pra ela.
Ficaram alguns instantes em silêncio, mas não era um silêncio total, parecia que se comunicavam pela alma.
E ela sentia uma forte emoção crescer em seu coração e se surpreendeu a chorar.
Chorou como há tempos não fazia e quando terminou se sentia mais leve.
E o rapaz ainda a olhava com o mesmo sorriso.
Foi aí que ela perguntou:
- Quem é você?
- Um amigo – respondeu ele sem abandonar o sorriso.
- Um anjo?
- Um amigo que lhe quer muito bem.
- Que lugar é esse? O paraíso?
- Chamamos do Jardim da Esperança. Percebeu como há inúmeras flores a brotarem? Assim é a esperança, que jamais morre e brota a todo instante.
- E o que estou fazendo aqui?
- Iremos dar um passeio.
- Irei conhecer Deus?
- Vamos caminhar, quero lhe mostrar muitas coisas.
E sem receio, ela lhe deu as mãos e juntos passaram a caminhar, mas a sensação era que flutuavam sobre as flores.
E tudo foi ficando tão pequeno, tão distante...
Quando percebeu, estavam num imenso corredor e a sensação de paz que havia experimentado no jardim, havia desaparecido.
Só via pessoas tristes, algumas chorando, mas todas demonstravam um imenso desespero.
- Onde estamos?
- Num hospital público que atende casos de câncer e as pessoas que vê tem parentes aqui internados. São pessoas que não possuem recursos e contam apenas com a solidariedade humana. Passam o dia inteiro aqui, nesse corredor, rezando pelos seus entes queridos e muitos já estão num estágio terminal.
Certamente passaram as festas de fim de ano aqui, enquanto lá fora os fogos estouravam no céu.
Continuaram a andar e chegaram a ala das crianças, havia poucos brinquedos e muitas crianças. Algumas não saiam mais da cama e tinham ao seu lado, os pais com a dor expressada no rosto.
Mas essas crianças, mesmo com tanto sofrimento, ainda tinham esperança, queriam brincar e mesmo não tendo recursos financeiros, ainda acreditavam, queriam andar e falar. Queriam sorrir e viver.
Continuaram a andar e quando percebeu já estavam fora do hospital.
O silêncio se fazia presente, as imagens vistas não lhe saiam da cabeça e não havia palavras para expressar o que ela sentia.
Quando reparou, estavam sob um viaduto, onde uma família acendia uma fogueira para aquecê-los.
Eram 7 pessoas, dois adultos, quatro crianças e um bebê recém- nascido. Tinham a roupa em farrapos e um olhar triste. As crianças estavam desnutridas e algumas brincavam com um aviãozinho de papel, talvez o único brinquedo possível.
As pessoas que por lá passavam, mudavam de calçada, talvez por medo ou por nojo.
E aquela família se alimentava de uma simples sopa que mal dava para todos.
- Provavelmente essa também foi a refeição que fizeram na virada do ano, enquanto em muitas mesas havia uma grande variedade de pratos.
Novamente ela permaneceu em silêncio e percebeu que lágrimas começaram a rolar de sua face.
Antes que pudesse enxugá-las, se viu juntamente com o rapaz que a guiava, numa esquina, onde uma menina de uns 12 anos estava vestida com uma mini-saia e um top, vendendo seu corpo para sobreviver.
Era uma criança, mas seu olhar denunciava toda a violência que já fora vítima.
E enquanto via a criança entrar num carro e ir embora, começava a chorar cada vez mais.
Mas antes que pudesse se controlar, se viu numa casa onde todos discutiam, as pessoas se agrediam verbalmente, não havia respeito nem amor. E em pouco instantes, a briga física teve início.
Diante daquela cena, ela passou a se envergonhar de todos os pensamentos negativos que tivera, de todas as reclamações que direcionou a Deus.
Viera de uma família com boas condições financeiras, estudou em colégios particulares, teve todos os brinquedos que quis, sempre andou com roupas de grife, jamais passou fome e em muitas vezes até desperdiçou comida ou se recusou a comer determinado prato.
Quando ficava doente, sempre era levada a um bom hospital e com o uso dos medicamentos receitados, logo estava curada.
Fez muitas viagens, conheceu lugares maravilhosos.
Perdeu a virgindade quando achava que era a hora certa e com a pessoa que amava.
O respeito e o amor faziam parte da sua casa.
Sim, tinha muito mais razão de agradecer do que reclamar.
Era uma pessoa fisicamente normal, estudada e cheia de oportunidades.
Nunca passara uma dificuldade como aquelas que acabara de presenciar.
E um sentimento de remorso latejava em seu peito.
Como estava sendo injusta, reclamava da vida que levava, mas se esquecia de olhar em volta e perceber o quanto de sofrimento havia no mundo.
Sempre se preocupou com os seus problemas e se esquecera de estender a mão...
Quando olhou para o lado, percebeu que já estavam de volta ao jardim e que o rapaz ainda continuava a sorrir pra ela.
Não sabia o que dizer e se sentia até envergonhada.
Foi quando o rapaz pegou suas mãos e lhe mostrou o céu.
Surpreendeu-se porque já era noite e nunca vira um céu tão estrelado.
- Você me perguntou se eu te levaria até Deus, mas Ele está em todos os lugares, está dentro do seu coração. E para falar com Ele basta voltar-se para o seu interior.
- Sinto-me tão envergonhada...
- Como lhe disse, estamos no Jardim da Esperança, e assim como a esperança que não morre, a possibilidade de mudança é eterna.
Quando realmente queremos, podemos mudar.
Podemos descobrir novos valores.
E se temos muito a agradecer, também temos muito a realizar.
O Pai espera que enxuguemos as nossas lágrimas e aproveitamos a oportunidade que a vida nos dá para auxiliarmos o nosso próximo.
Sim, somos privilegiados. Temos inúmeros problemas, mas nenhum é tão grave como os casos que acabou de presenciar.
Mas creia que mesmo diante de tanto sofrimento, essas pessoas também não foram abandonadas pelo Pai.
Tudo têm uma explicação, na maioria das vezes é a dor que produz grandes transformações em nossa vida e nos conduz ao caminho do Pai.
Agora volte, lembrará desse sonho e que a reflexão que acabou de fazer continue com você e a ajude a iniciar a sua reforma íntima.
Há muito a fazer e tantos esperam por você... Vá com Deus.
E ela se foi, levando no peito aquela sensação de paz que conhecera no Jardim da Esperança e decidida a recomeçar novamente, de um outro modo....
Sônia Carvalho
02/01/05