Dona Amelinda é moradora do Jardim São Carlos, zona sul da "Paulicéia Desvairada". Assim como a maioria dos moradores do bairro, ela trabalha em um sub-emprego, do qual, a renda que tira, é enxutíssima.
Com seu salário, a sofrida senhora de periferia consegue apenas suprir as necessidades básicas. Água, luz e alimento - pois nem de linha telefônica ela dispõe. Não fez o pedido à companhia por temer sujar seu nome "na praça" em função da futura inadimplência.
Dias desses, sem ter um plano de saúde para ingressar em bons hospitais e clínicas médicas, dona Amelinda precisou ir ao posto de saúde do seu bairro - recentemente construído, após longo período de reinvidicações dos moradores.
Ao entrar no posto, ela foi informada pela atendente que precisaria pegar uma senha para e aguardar a chamada. Feitas as recomendações, dona Amelinda passou a esperar o seu número em pé, pois as 32 cadeiras da sala de espera estavam ocupadas por outros pacientes.
O relógio do posto de saúde indicava que desde à entrada até aquele instante, dona Amelinda já esperara por mais de 40min. Ela se dirigiu à recepção para cobrar uma posição da moça que a atendera. Explicou para ela que não estava bem, que tinha problema de pressão alta e labirintite e que necessitava ser atendida o quanto antes sob o risco de ter um problema mais sério ali dentro.
A jovem moça da recepção, com um humor já bastante alterado, disse, com um tom de voz acima do senso comum, que não tinha o que fazer, a "dona precisa ter paciência" e que ali, ela não era a única com problema, todos estavam na mesma situação. "Tem que aguardar", disse a recepcionista virando o rosto para o lado oposto.
Com o estado clínico já muito debilitado, dona Amelinda conseguiu uma cadeira para sentar e ali ficou, com a calma que Deus lhe deu. Passados 20min, já sem aguentar a situação de espera, naquele momento insuportável, ela novamente vai à recepcionista e relata o tempo de espera, dizendo que precisava ser atendida urgentemente, que não dava para esperar mais.
A moça da recepção, agora, aos berros, dizia que a dona teria que esperar, afinal todos ali estavam esperando e não havia um que reclamara de nada. Virando o corpo para tomar o assento a recepcionista soltou a seguinte frase, talvez desejasse apenas dize-la em pensamento, mas, infelizmente disse em voz alta: "ô gentinha, cambada de pé rapado. É por isso que Deus não deu asas a pobre, além de receber atendimento médico gratuito, esse povo ainda tem a cara de pau de reclamar da demora, francamente".
Todos naquele posto de saúde ouviram as palavras da recepcionista. Ficaram em silêncio. Menos um senhor já de idade que se levantou, e,dedo em riste, desabafou à funcionária da prefeitura: Moça, em primeiro lugar, aqui não tem nenhuma gentinha, todos aqui somos trabalhadores, cidadãos de bem. Todos nós vivemos uma vida sofrida, mas nos esforçamos para levá-la dignamente sem precisar cometer atos ilícitos para sobreviver. E não estamos recebendo nada de graça do governo, não senhora. Afinal pagamos altíssimos impostos ao seu patrão. Este atendimento aqui já está devidamente pago. E lhe digo mais, a senhora dobre a língua para falar dos moradores deste bairro, pois são eles que, com os devidos impostos pagos é quem possibilita que, a cada mês seu salário seja depositado na sua conta". Dito isso, o cidadão pegou a direção da rua e foi embora sem atendimento médico.
Este relato ilustra bem parte das ofensas por quais o povo de periferia passa cotidianamente nos confins desta cidade injusta. O que mais dói na alma dos moradores, é que a pessoa que ofende faz parte da mesma classe social da ofendida. Apenas por ocupar um cargo público muitos sem acham no direito de negar seus princípios e magoar um semelhante na primeira oportunidade que tem para tal. Lastimável. Afinal, se nem aqueles que convivem juntos se respeitam, por que os governantes iriam respeitar?
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