Foto: Ricardo Arruda
Parte I
Por Gisele Alexandre
Para os moradores da periferia de São Paulo, mas especificamente, para a comunidade do Capão Redondo, os grafites Gente Muda já fazem parte da paisagem. Há muitos anos, os desenhos colorem os muros desta região. Mas você sabe quem são os responsáveis por esses traços criativos e marcantes? Como essa idéia surgiu?
Pois é, em uma ensolarada tarde de sábado, tive o privilégio de falar com um dos idealizadores do Gente Muda, e pude saber mais sobre “o pai da arte”.
Ele tem 26 e prefere não ser identificado, por isso, o nomeei carinhosamente como “Artista Mudo”. Desde o nascimento ele mora em uma das regiões mais desfavorecidas e violentas de São Paulo, mas ao contrário da maioria de muitos jovens do Capão Redondo, ele decidiu escolher a arte ao mundo triste da marginalização. Seus criativos desenhos espalhados pela região, retratam cenas diárias dos moradores, que nos levam a uma reflexão social imediata.
“A gente não curte fazer pintura só pelo belo, tem que ter uma mensagem pra se passar. E é isso, a gente pretende mesmo passar o nosso cotidiano, o que a gente vive. O que a gente vê e o que a gente acha que precisa mudar!”, Artista Mudo.
Mas, o Artista Muda não está sozinho. Os grafites foram criados por ele e seu companheiro. Dois jovens que adoravam desenhar, mas que nunca fizeram nenhum curso profissionalizante. São “autodidatas”, como ele mesmo diz. Ele conta que a idéia dos personagens surgiu há muitos anos. A princípio, a intensão era fazer um fanzini, história em quadrinhos, mas por falta de grana, essa idéia foi abandonada.
Mas a pergunta que todos se fazem, por que Gente Muda? Ele responde:
“Esse nome veio de uma pintura do meio parceiro, que ele fez há anos atrás e que estava escrito Pessoas Perdidas. Antigamente a gente assinava Somos, que é um palíndromo, e como eram duas pessoas que pintavam a gente achou que fosse um nome bacana. Sei lá, mas com o decorrer do tempo a gente achou que Gente Muda tinha mais a ver. Tanto pelos traços diferente dos grafites que tem por aí, que é um negócio mais rústico, e também pela ambigüidade da palavra. A gente pode tratar de Gente Muda de diversas formas, entendeu. Tem uma amplitude maior pra gente desenvolver as pinturas e temática em si. É mais por isso mesmo, pela brincadeira do jogo de palavras. Assim, a pintura por si já muda a paisagem. Pode ser Gente Muda de mudar, ou Gente Muda naquela questão da opressão e tal, de querer se expressar falar e não colocar em prática. A gente deixa essa tradução aberta, na verdade eu não gosto muito de definir, porque quero que as pessoas tenham interpretações diferentes umas das outras. Se a gente coloca uma definição, vai alterar meio que essa liberdade da interpretação das pinturas”.
Os lugares e os temas dos personagens, muitas vezes, não são escolhidos com antecedência. Eles passam em um lugar e decidem na hora onde farão os desenhos que são verdadeiros retratos de uma sociedade chamada Capão Redondo.
“Às vezes rola da gente sai na loucura, sem idéia nenhuma, sem rascunho nenhum e acha um muro qualquer e ai a gente desenvolve a idéia na hora e pinta na hora, entendeu. Eu até prefiro pintar assim. (...) é um retrato da vida e do cotidiano do Capão Redondo. A gente é de lá, mora lá. E muito do que a gente pinta a gente vê lá, nas cenas do cotidiano da periferia. Assim, é pegar as pessoas que não tem espaço nenhum, que são reprimidas pela sociedade mais rica e colocar ela como tema central. É exaltar o que não é exaltado. É por ai”.
Eles já perderam a conta de quantos desenhos foram feitos pela Cidade. Na região do Capão Redondo são diverdas. Mas para deleite dos paulistas, os personagens Gente Muda, não são exclusividades desta periferia, eles podem ser apreciados em algumas das principais vias da Zona Sul de Sampa. O mais significativo, com certeza, é o do Terminal Capelinha. O gigantesco desenho foi apagado três vezes.
“A primeira que a gente fez era um defunto com um copo-de-leite na mão, ai foram lá e apagaram. Sei lá, acho que não deve ter agradado muito (risos). Ai a gente volto lá pra reivindicar, pra que quem apagou fosse lá e visse de novo e se ofendesse realmente pelo fato de ter apagado. Dessa vez o cara da pintura não tava morto, ele tava vivo, dando risada e mostrando o dedo. Mas ai essa num durou nem uma semana, mas realmente a intenção era de ofender a pessoa que apagou, porque não tinha motivo pra ele apagar Beleza, a gente foi lá novamente e dessa vez a gente homenageou o cara que apagou, porque ele não se identificou, então a gente fez um cara com um saco de pão na cabeça, se escondendo. E ai ficou lá (risos)”.
Mas a favorita não é essa, é a do Av. Vereador. Em meio do trânsito, do movimento intenso das pessoas, os artistas fizeram uma enorme pintura de quase 27 metros. É um personagem deitado com os braços cruzados, assoviando, bem tranqüilo. Caracteriza o oposto do que ocorre no local.
Como a maioria dos artistas de rua, eles não conseguem viver só da arte e ralam muito para se sustentar. Mas apesar da correria entre a vida e a arte, o que importa para o Artista Muda é fazer a sua parte:
“O fundamente da nossa pintura é criar uma reflexão. Tem que ser um ponto de interrogação, a gente quer que as pessoas olhem e reflitam tanto sobre as suas vidas, o seu cotidiano e que parem pra pensar em alguma coisa diferente na sua vida. Olhar mais pro geral, em tudo que tem em volta”.
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