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Um conto de Natal

Por: Marcos Lopes

A Primeira vez que sai da minha cidade contava dezesseis anos, idade propícia para começar a pensar o que queria para o meu futuro.

Numa tarde de sexta-feira, quando cheguei do colégio, deparei-me com minha mãe lavando a louça do café da manhã. A panela do feijão chiava sobre o fogo. Tomei-lhe a benção e, ao entrar no meu quarto, vi malas feitas em cima da cama.

- Vamos viajar neste fim de semana, mãe?

Ela não respondeu. Percebi que freqüentemente limpava os olhos. Impaciente, refiz a pergunta e mais uma vez não obtive respostas de minha genitora. Aproximei-me e percebi que lágrimas deslizavam com abundância de seus olhos tristonhos.

- Nós não vamos viajar – respondeu-me finalmente – você é quem vai, filho.

Eu não entendi a brincadeira e comecei a rir.

- Não entendi a metáfora, mãe.

- Não houve metáfora em minha fala, Rafael, falei que você vai viajar. Este é o sentido literal da palavra...

Nem pude questioná-la, pois, meu pai, já tinha consentido.

- E pra onde é que a senhora pensa que vai me mandar? 

O sábado amanheceu nublado, parecia que o tempo havia se entristecido com a minha partida, nem deu tempo para despedir-me da turma do colégio. Luiza. Esta garota não me saía da cabeça, o que mais me revoltava era que mal começamos a namorar e já tive que partir... Todo meu esforço para conquistá-la foi em vão; brigar com o cara mais valente da escola e levar uma surra, discutir com a professora, fumar maconha, roubar a cantina, pôr fogo no material do professor de matemática, intimidar os meninos da quinta série com a arma do Mauricio na hora do intervalo... Melhor parar por aqui senão o leitor achará que fui um delinqüente, na verdade fui, afinal, com dezesseis anos ainda cursava a sétima série, andei repetindo alguns aninhos.

Meu pai dirigia calado, não falou comigo deste a noite que antecedeu a viagem, parecia bravo, o ponteiro de seu Audi A-4 marcava cento e sessenta quilômetro por hora, a cidade grande e a minha tão querida Luiza ficavam, a cada minuto, mais distantes de mim. Inúmeras foram às vezes que senti ímpeto de abrir a porta e pular daquele maldito carro, mas pelo andar da carruagem, talvez eles nem ligassem, pois, queriam se livrar de mim de qualquer maneira.

- Está chegando, mãe?

Nada de respostas, parecia que quando minha mãe estava acompanhada de seu marido, ela se fortalecia, seu temperamento era limitado e acabava me tratando como se eu fosse um animal que cometera um ato imperdoável. Mas isso não é verdade, quem me conheceu nesta época da minha vida pode dizer o quão eu era bonzinho, gentil, amável, inteligente, caridoso... Até conhecer a Luiza. 

Após atravessarmos uma porteira, chegamos ao Fim-do-Mundo, sim, porque depois de seis horas ininterrupta de viagem, quero dizer, meu pai somente parou para abastecer e para eu fazer xixi, só podia denominar aquele monte de mato como Fim-do-Mundo.

Lá no fundo havia uma casinha bem simples feita de pau-a-pique, saiu da singela casa uma figura de cabelos de algodão-doce, quero dizer, de cabelos bem branquinhos e caminhou em nossa direção, era o homem que, mais tarde, se transformaria em meu melhor amigo, o homem que contaria a melhor história romântica que já ouvi na vida, era meu avô.

- Ai está ele, papai – disse minha mãe apontando os olhos pra mim, depois de abraçá-lo com saudades.

- Então este é o famoso Rafael? Muito prazer – disse ele esticando a mão para cumprimentar-me.

Após os formais cumprimentos, eles se distanciaram de mim, me deixaram para trás como se eu não existisse. Os três saíram abraçados e foram pra dentro da casa, fiquei furioso e já arquitetava planos para fugir daquela selva amazônica. 

No dia seguinte meus pais já não estavam lá, perguntei ao velho para onde eles tinham ido e respondeu-me, sem olhar pra mim, que partiram de manhã bem cedinho. Fiquei mais revoltado ainda, xinguei, gritei, blasfemei contra meus genitores, contra Deus, contra tudo.

- Cala a boca – gritou o velho – parece uma mocinha. Na hora de aprontar você não pensou nas conseqüências, agora fica ai querendo bancar o bonzinho, aqui você terá que ser homem está ouvindo?

Baixei a cabeça e, quando as lágrimas começaram a deslizar pelo meu rosto, dei uma carreira lá pra fora e me escondi atrás de um pé de abacate. Nunca gostei que ninguém visse lágrimas caindo dos meus olhos. Depois de alguns minutos chorando copiosamente, as lágrimas quentes deram lugar ao soluço e o velho acabou me encontrando.

- Se ficar ai se lamentando o café vai esfriar –disse ele com a voz doce.

- Tô sem fome – respondi.

- Posso comer seu pão?

Não respondi e mais tarde, quando fui procurar o que comer, tomei ciência de que o desgraçado realmente havia comido meu pão, só havia migalhas sobre a mesa. Aproveitei que as árvores estavam carregadas e comi um monte de frutas, algumas desconhecidas, até hoje fico pensando que foram elas as principais responsáveis pela dor de barriga que senti noutro dia. 

O São João estava chegando e me dei conta de que havia dois meses que eu estava exilado da minha cidade, dos meus amigos e de minha namorada.

Toda noite, o velho ia lá pra fora, acendia o lampião e ficava se balançando numa cadeira muito velha, assim como ele. Seus olhos se arregalavam para as estrelas e pareciam que entrava num profundo devaneio. Dali, de onde eu o observava, dava pra ver seu olhar vago procurando, no azul infinito do céu, a razão de sua existência.

Naquele lugar misterioso cujo nome eu desconhecia, não existia telefone, me dei conta de que minha mãe havia levado meu celular, não tinha Internet, era um pedaço de chão isolado do resto do mundo, fiquei muito tempo martelando minha mente para saber como foi que ele conseguiu ter uma mulher, se é que um dia teve uma, obviamente teve, caso contrário minha mãe não teria nascido. Mas e se ela o chamou de pai somente por consideração? Ai está uma dúvida que me percorreu até eu saber da vida daquela figura fantástica que era meu avô Sebastião. 

Numa certa manhã, eu acordei decidido a questioná-lo sobre o nome daquele lugar. Ele cantarolava a beira do fogão de lenha enquanto preparava o café. A mesa estava bonita e as frutas pareciam deliciosas. Seus pés cansados deslizavam sobre o chão de barro quando passava de um lado para o outro da casa. Parecia-me contente. Ao perceber que eu o fitava, perdeu o jeito dantes e me convidou para sentar à mesa. Serviu-me como nunca ninguém havia me servido antes. Sentou-se. Era este o momento que eu esperava para fazer a minha pergunta:

- Aqui não tem nome não – se apresou em dizer como se lesse meus pensamentos – Eu chamo este lugar de “Meu Cantinho”.

- Ah! – respondi impressionado com a sua aptidão de pai de santo.

Comi calado enquanto ele me olhava.

- Sabe que dia é hoje – perguntou de repente dando um baita susto em mim.

- Não – respondi com os olhos arregalados.

Num movimento brusco levantou-se da cadeira, foi até o quarto e voltou rapidamente com os braços voltados para trás, minhas pernas tremeram e meu coração se descompassou dentro do meu peito. “Deve ser o dia da chibatada” pensei. Ele se aproximou, estendeu-me algo enrolado num papel bonito e disse:

- Dia vinte de novembro, é o seu aniversário, rapazinho. Muitas felicidades.

Ficou esperando que eu dissesse alguma coisa, porém estava tão engasgado com o susto que nem consegui agradecer.

Ele, como se tivesse ficado decepcionado com minha atitude, virou-se e foi se sentar em sua cadeira velha.

Desembrulhei o presente e fiquei impressionado com o bom gosto do velho. Ganhei um medalhão com as iniciais do meu nome “RS” que até hoje não tiro do pescoço por nada e uma bela camisa escrito “carpe dien”. 

Para corrigir minha falta com o velho, fui até minha bolsa e peguei um medalhão que trazia escrito “Fugere urbem” que a Luiza havia me dado.

Lá fora o céu estava lindo, os pássaros cantavam como eu nunca havia ouvido antes, o vento acariciava as folhas verdes e meu avô se deliciava em sua cadeira de balanço. Sentei-me no chão ao lado de sua cadeira e falei:

- Vô, sei que lá dentro eu me portei mal com o senhor, mas, é que fiquei surpreso, nem eu lembrava que era meu aniversário, olha aqui –disse eu esticando a mão com o medalhão – sei que hoje não é seu aniversário, mas quero que aceite este presente.

Ele segurou minha mão com carinho, olhou bem dentro dos meus olhos e respondeu com lágrimas ao ler a palavra no medalhão:

- Este é o melhor presente que eu já ganhei na minha vida! E quem foi que lhe disse que hoje não é meu aniversário? Sessenta e cinco anos, meu neto, sessenta e cinco anos... 

Sete meses se passaram e meus pais nunca mais deram notícias, eu também não sentia tanta falta quanto sentia no início, além de que, eu e o velho, quero dizer, eu e meu avô Sebastião, agora éramos superamigos. Descobri que ele era professor de literatura, me explicou também o por quê de ter ficado emocionado com o medalhão que eu lhe dera. Fugere urbem significa fugir da cidade. Ele se isolou no campo justamente por que a vida na cidade grande possui uma capacidade de alienação das mais perniciosas: aquela que escapa a qualquer capacidade de percepção.

Contou-me que se apaixonou diversas vezes na vida. Falei o quanto eu era apaixonado pela Luiza e ele me revelou que fora por causa desta paixão que meus pais me exilaram no campo. Eu esbravejei, mas logo fiquei calmo ao notar que aquela garota mimada estava realmente me fazendo mal. Ele me segredou que todos os bens que meus pais tinham, eram seus. Carro, casa, apartamento na praia etc. Curioso, indaguei o por quê de ter abandonado tudo para viver isolado naquele pedaço do nada. Foi na véspera de Natal que ele me contou sua história...  

A noite estava exuberante, a brisa acariciava meu rosto e soprava os belos cabelos brancos do meu Avô. As estrelas e a Lua majestosa vieram contribuir com a sua luminosidade enquanto uma coruja, em cima duma árvore, ouvia atentamente a peripécia do meu ídolo. 

Eu – começou ele a narrar – contava vinte anos quando resolvi entrar na faculdade, no segundo ano já ensinava literatura para a molecada da fazenda. Quando me formei arrumei um emprego estável numa escola particular, mas não gostava do cheiro daqueles “filhinhos de papai” e quando passei no concurso do Estado pedi as contas.

Você precisava ver, Rafael, como aquelas garotas caíram matando em cima de mim, hoje você vê essas pelancas velhas e nem pode imaginar o quanto fui vaidoso. Sem modéstia, fui, por muito tempo, objeto de desejo de muitas alunas e professoras dos colégios por onde passei, elas me idolatravam, queriam sempre estar perto de mim, mandavam-me bilhetes e eu os lia carinhosamente. Isso é bom para o ego e para a auto-estima das pessoas; ser cobiçado.

Namorei incontáveis professoras, me apaixonei diversas vezes ao longo de minha vida docente, mas nunca me envolvi com alunas, já tive interesses por algumas, entretanto, não saiu disso.

- Nem na faculdade, vô – eu o interrompi – Quero dizer, o senhor nunca se envolveu com nenhuma aluna da faculdade?

- É a partir daí que minha vida começa –respondeu ele deixando escapar pelo canto da boca um saudoso sorriso. 

Quando comecei a lecionar no ensino superior – prosseguiu – imaginei que seria como no ensino médio, porém, me enganei. Já no primeiro dia de aula avistei uma garota bem bonita sentada na primeira fileira, sua mesa estava quase em cima da minha. Ela me olhava como se estivesse vendo um deus em sua frente, seus olhos brilharam quando eu comecei a falar do período romântico da literatura nacional.

Numa véspera de feriado os alunos não foram à universidade. Só ela apareceu. Insisti para que fosse pra casa descansar, mas ela foi inexorável.

Vendo que não teria jeito resolvi dar a aula só para ela. Ela ficou atenta a cada frase que eu dizia, cada poeta que eu lhe apresentava ela sabia um pouco. Era uma garota esforçada e não estava ali para me paquerar. No fim da aula saímos, passamos a catraca e ela me fez um convite:

- Me acompanha até o bar!

Não tive como dizer não e fomos. Puxei a cadeira para que ela se sentasse e ficamos papeando até o dono do estabelecimento vir nos avisar que já havia passado da hora de fechar. Ela me disse que morava com a mãe e mais dois irmãos, que ganhara uma bolsa de estudo e por isso toda aquela dedicação. Fomos conversando até o ponto de ônibus, lá longe avistei o dela e ao nos despedirmos meus lábios rasparam os dela. Meu corpo estremeceu como se aquilo nunca tivesse acontecido comigo antes... Pedi desculpas e perguntei se havia ficado com raiva ou se constrangida, ela baixou os olhos e sorriu. Não resisti e dei-lhe um outro beijo fazendo, assim, ela perder o ônibus.

Ficamos abraços até vim o próximo, meu coração batia mais que o normal. Não demorou muito para nos despedirmos novamente, mas desta vez ela entrou no coletivo e acenou para mim.

Nos encontrávamos às escondidas, ninguém poderia saber do nosso relacionamento. Havia, no bairro onde eu morava, que não ficava muito distante do meu local de trabalho, um parque onde nos víamos quase todos os dias. Os assentos feito de árvores derrubadas pelas tempestades, oferecia-nos indescritível conforto, era simples o lugar, porém, a companhia da minha amada tornava qualquer lugar sombrio o mais belo paraíso.

Já estávamos namorando há quase um ano quando tivemos nossa primeira relação, a primeira dela. A rede que eu levara para a ocasião fora feita e, presenteada a nós, por um ancião que cuidava do parque. Ele nos presenteou por achar que formávamos o casal mais perfeito que ele já vira em toda sua vida. Foi neste dia que ela disse:

- Amo você e nada vai nos separar, quero ficar com você para todo o sempre.

Percorreu pelo meu corpo um arrepio que não saberia lhe descrever, meu coração pulava feito um cavalo de rodeio, meu corpo tremia como se o calor de suas palavras tivesse esfriado meu espírito... Abracei-lhe com amor e disse que também a amava e que não suportaria, jamais, a dor de viver sem ela. Juras e promessas de amor foram feitas e logo a chuva começou a cair, deixando-nos assim, todo molhado. 

No ano em que ela se formaria, uma doença, que nem compensa falar, me pegou de repente e tive que me afastar do cargo, mesmo assim ela ia me ver todos os dias em minha casinha simples.

O médico disse que eu não mais poderia trabalhar e exigiu que eu me aposentasse. Ao ouvir aquela desgraça chorei feito criança e obedeci a ordem do doutor.

Ela se formou um semestre depois que eu dei entrada nas papeladas para “mamar na teta do governo”. Seus familiares ficaram a par do nosso relacionamento e aceitaram numa boa.

Ela começou a trabalhar, alguns anos depois, numa agência que contratava modelos. Dizia que professor ganhava mixaria e não se submeteria àquela quantia irrisória de salário. Era uma garota muito bonita, talvez a mais bonita que eu já conheci em toda a minha vida. Eu vivia dizendo que ela não deveria ficar somente secretariando seu chefe. Dizia que deveria pensar mais alto, que poderia estar no lugar daquelas meninas, desfilando nas passarelas do mundo e na do meu coração. Ela ria um riso gostoso que me despedaçava.

Após, muito eu insistir ela conversou com seu chefe que aceitou fazer um teste com ela, mas, antes a promoveu como secretaria particular, eu fiquei feliz. Um mês depois, ela foi promovida novamente. E depois nova promoção. 

Todo mês eu ia ao médico para ver se conseguia voltar às salas de aulas novamente, sua resposta era sempre a mesma; não.

Numa certa tarde, ao chegar na casa da minha amada, ela disse, com lágrimas nos olhos, que não me amava mais e que estava gostando de outra pessoa, meu coração ficou em pranto, não acreditei naquilo que meus ouvidos ouviram. Fui para casa arrasado. Tentei suicídio por diversas vezes.

Algum tempo depois descobri que sua nova paixão era o rico dono da agência para qual ela trabalhava...

Minha vida se tornou um tormento. Não conseguia dormir, nem comer, nem sorrir. Só chorar.

O tempo passou e o rosto daquele meu amor caiu na garra do esquecimento, ainda hoje ouço seu sorriso e lembro dos momentos que passamos juntos, mas de seu rosto eu não me recordo muito bem.

Depois de muita insistência os médicos me readaptaram e eu pude voltar ao trabalho, isso fez com que eu a esquecesse por “completo”. Foi então, neste retorno às atividades docente que conheci a sua avó.

Ela era minha chefa. Nos casamos após alguns meses de namoro e assim nasceu a sua mãe. Caroline, era como se chamava a sua avó, morreu no parto e criei sua mãe sozinho, proporcionei a ela tudo que existia de melhor no mundo, me dediquei mais ainda ao trabalho para que nada lhe faltasse.

Numa noite fria de outubro, após ter posto sua mãe pra dormir, vi a minha antiga namorada desfilar num programa muito popular na televisão daquela época. Meu coração sairia pela boca e era até capaz de ter um troço se não desligasse a tevê. Não que isso tivesse me ajudado em alguma coisa, pois, fui para a janela, acendi um cigarro e as lembranças vieram à tona.

No decorrer de alguns anos, eu consegui comprar um apartamento na praia, e foi lá que a reencontrei...

Conversamos o suficiente para eu saber que já não estava com seu ex-patrão, soube que tiveram um acidente de carro e ele ficou paralítico. Separaram-se meses depois da tragédia. Ela me disse que estava trabalhando para uma emissora de tevê – eu não disse nada que havia lhe visto – e que sua vida sentimental estava um lixo. Disse que, depois de mim, nunca mais se apaixonou por alguém. Após rir daquela piada despedi-me e fui para casa com o corpo leve e sem falar um isto da minha vida. Adorei revê-la, me fez bem. 

Nas férias, levei sua mãe para passarmos uma temporada em nosso apartamento, estávamos na janela vendo o pôr-do-sol quando um carro parou em frente ao condomínio e começou a buzinar freneticamente, uma mão delicada apareceu fora do carro, franzi a testa e forcei a visão para ver se reconhecia a esquizofrênica que não parava de me acenar.

Eu a reconheci quando saiu do carro e jogou os belíssimos cabelos contra o vento. Peguei minha pequena nos braços e desci.

- Quem é esta – perguntou assustada.

- Minha filha – respondi orgulhoso.

- Que menina mais linda, puxou ao pai. Qual o nome dela?

Fiquei constrangido em falar, pois, os nomes eram iguais.

- Caroline – menti – em homenagem à mãe.

- Nossa, Sebastian, não sabia que havia se casado. Como o tempo passa rápido, não é mesmo?

- Casei, porém, hoje sou viúvo.

- Lamento. O que você vai fazer hoje à noite?

- Bom, como vim para passar as férias com a minha filha, assim o farei.

- ah! Nós podíamos jantar juntos, o que acha?

- Acho melhor não – cortei-lhe o entusiasmo – uma amiga virá jantar conosco e...

- Já que não estou fazendo nada – argumentou a intrometia – posso preparar o jantar.

- Minha amiga ficaria furiosa se ela não fizer o jantar e...

- Entendi. Então podemos marcar uma outra hora.

- Quem sabe – disse eu mais uma vez me despedindo.

Ela ainda ficou parada observando-nos caminhar pela calçada solitária, peguei minha filha nos braços e a joguei para o alto. Eu estava feliz, não sei lhe explicar o motivo, mas, estava feliz. 

Numa certa manhã vi meu nome estampado no jornal; ao ser questionada em uma dessas entrevistas de rotina, minha ex-namorada disse que eu era o grande amor de sua vida e que nunca havia percebido isso. Eu ri.

É engraçado como as pessoas tentam comprar as outras, algumas chegam até se equivocarem tentando locar um ser, como se este fosse objeto de desfile nas requintadas baladas.

Helena, quando mais nova, era uma mulher ambiciosa tinha muita grana, podia comprar o que quisesse exceto o meu amor, minha honra jamais seria posta a venda. Sempre aparecia na mídia com rapazes diferentes apresentava-os como namorado e, na semana seguinte, já o trocara.

Talvez nunca sentiu amor por ninguém a não ser por si própria. Perdeu grande parte da sua vida atrás de fama e status esquecendo-se da real intenção do ser humano na Terra; ser feliz. Esquecera de que amar é preciso.

Eu criei sua mãe com todo amor e carinho e, quando ela conheceu seu pai, percebi que já podia caminhar com as próprias pernas, após me aposentar, deixei tudo que fosse supérfluo e vim morar aqui, neste pedaço de fim de mundo como você diz...

Depois daquele dia na praia eu nunca mais vi Helena e tentei não mais saber nada sobre ela. Sempre que ia ao meu apartamento tinha cartas dela que o porteiro me entregava, eu não as abria, pedia que ele embrulhasse numa sacola e atirasse no mar... 

Os fogos iluminavam o grande céu azul, fazendo assim, a curiosa coruja bater asas, mas de onde eu estava não dava pra ver os barulhos que eles faziam. Meu avô se levantou enxugando as lágrimas teimosas que rolavam sobre sua face tristonha e me deu um forte abraço desejando-me feliz Natal. Abrimos um gostoso champanhe e brindamos o dia mais mágico de toda a minha existência. Ficamos muitas horas acordados, arquitetando o que eu seria quando crescesse.

- Professor de literatura – disse eu enchendo o coração do meu avô de orgulho.

Talvez tenha morrido feliz, pois, quando acordei no outro dia, ele não estava acordado, dançando pela casa e fazendo o café, a mesa não estava pronta como de costume. Ao entrar em seu quarto, vi inúmeras fotografias penduradas pelas paredes simples e o meu bom e velho amigo sorria feito uma criança feliz. 

By Marcos Lopes

 

 

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