“Nosso dia vai chegar, teremos nossa vez, não é pedir demais: Quero justiça, quero trabalhar em paz. Não é muito o que lhe peço, eu quero um trabalho honesto, em vez de escravidão”. Renato Russo.
Possuo um trabalho honesto, assalariado, com pagamento todo dia 25, além dos benefícios e participação nos lucros. Tudo o que uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil (é o que dizem as revistas especializadas) pode oferecer a um trabalhador. Mas, tudo o que os trabalhadores recebem como resultado do “aluguel do corpo” ao empregador são exclusivamente vantagens? A remuneração é suficiente para preencher todos os campos da vida dos trabalhadores?
A remuneração nada mais é do que a moeda de troca pela mão de obra de um trabalho exercido. Da mesma forma, como também deveria ser encarado um possível problema de saúde relacionado ao exercício desta atividade. Porém, estamos diante de um fato que raramente é assim interpretado e assumido pelo empregador.
O trabalho do telemarketing, além da remuneração, também me acarretou um problema de audição, com déficit de 25 decibéis, o que provoca, constantemente, dores de ouvido, algo que não existia antes do telemarketing. Segundo a médica do trabalho, em uma avaliação feita periodicamente, esta é uma quantidade de decibéis dentro do normal, não se trata ainda de uma perda auditiva. Porém, a debilidade em 30 ou mais decibéis já é considerado como perda de audição, e também irrecuperável. O doutor em violência do trabalho e médico da Unifesp Dr. Herval Pina Ribeiro, diz que os ouvidos não foram feitos para serem “abafados” por aparelho nenhum, como o que ocorre aos operadores de telemarketing, que diariamente são obrigados a utilizar aparelhos de head-set (fone na cabeça) por, pelo menos, seis horas.
Há uma orientação feita pelos médicos do trabalho para que o aparelho seja alternado entre os ouvidos de hora em hora, já que o fone permanece em apenas um dos ouvidos. Mas, isto não é suficiente para suprimir o problema. Também há centrais de atendimento com aparelhos defasados, em que ultrapassam o limite máximo dos decibéis, além do alto barulho no callcenter, resultado da profusão de vozes no atendimento, que obrigam os trabalhadores a aumentarem o volume do aparelho para ouvir perfeitamente o cliente em linha.
Este é apenas um esboço do que é enfrentado diariamente pelos profissionais do callcenter. Uma atividade, que de acordo com pesquisas, emprega atualmente 700 mil trabalhadores, chegando em breve à marca de um milhão de trabalhadores. São jovens, em sua maioria, entre 18 e 25 anos, que normalmente procuram o primeiro emprego. Por falta de oportunidades no mercado de trabalho, pela pouca idade e inexperiência profissional, são, em muitos casos, conduzidos às centrais de atendimento, permanecendo lá por muitos anos, chegando até a modificar o próprio rumo profissional.
O Livro Reportagem - Linha de frente: os bastidores do telemarketing - retrata o cotidiano desses trabalhadores, trazendo a tona as suas agruras e sofrimentos, por meio dos relatos desses profissionais. É possível transportar-se ao ambiente das centrais de atendimento, sendo aqui, analisado, como uma nova condição operária, sob a ótica do próprio trabalhador, que também vivencia toda a tensão e dificuldade diária dessa atividade.
O trabalhador, adquirido como material produtivo, também adoece, e quando isto ocorre, tem-se a própria integridade questionada, seja pela empresa, ou como ocorre, em muitos casos, pelos próprios colegas que estão ao seu redor, já que confundidos pela ideologia corporativa, legitimam os objetivos do empregador.
No livro, estão reunidos, mais de cinqüenta relatos desses trabalhadores, que somado aos pesquisadores, (sociólogos e historiadores), médicos do trabalho, administradores e advogados, procuram demonstrar a outra face dessa atividade, mascarada pela tecnologia de ponta, por um ambiente de trabalho asséptico e altamente sofisticado, que são apresentados pelas empresas do setor como chamariz aos trabalhadores que ingressam neste tipo de atividade.