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PADRE MARTINHO

Por: EDSON TALARICO

Padre Martinho

 

 

O colégio em Araraquara situava-se em uma fazenda que à época era retirada da cidade, no final de uma avenida larga que terminava exatamente na porteira de entrada do Seminário, a Avenida Espanha.

Em 1959, depois de sacudir no trem durante 7 horas, com a curiosidade e o medo se misturando em meu íntimo, o prédio de 4 andares, na minha visão de criança, era enorme. Hoje, comparado aos edifícios da cidade de São Paulo, seria um mero arranha-céu.

Na porteira tinha até Mata-Burro. Chovia torrencialmente quando o Jeep que nos pegou na estação cruzou a porteira. Naquele momento 1 relampago clareou a noite e o prédio apareceu na nossa frente. Enorme. Fantasmagórico.

Por sorte eu não fora o único do Capão Redondo que resolvera estudar no seminário. O Padre Fabiano conseguira arrebanhar 6 para tentar a vocação. Comigo foram O Valbertone, filho da Dona Verônica, O Zé Roberto, goleiro, O Marcão, do Jardim Monte Azul, O João Carlos, do Jardim São Luiz e o Evandro do Valo Velho.

As dificuldades foram muitas. Imaginem um garoto do mato, sem nenhuma cultura ou traquejo social, tendo que conviver com quase uma centena de outros vindos de todos os cantos do estado.

Eu não sabia nem escovar os dentes. Acho que nunca tinha tomado um banho de chuveiro. Pijamas, cuecas (samba-canção), tudo novidade.

Nos dias seguintes fomos, aos poucos, descobrindo nosso novo universo. Ao Lado do prédio: 2 campos de futebol, um grande, gramado, e um menor, de terra. Uma quadra para tênis ou basquete, um galpão onde jogávamos ping-pong, um pomar de frutas, onde roubamos alguns mamões, laranjas, goiabas, a horta do Padre Oscar onde ele aplicava os castigos em quem aprontava alguma. Punha o coitado para arrancar tiririca com a mão vazia. Esse Padre Oscar era ruim. Um alemão, remanescente da época do Hitler que viera para o Brasil continuar a sua missão...de atazanar os pobres meninos que achavam que tinham alguma vocação. Enorme, gordo, cabeça redonda, dava aula de matemática, cuidava da enfermaria, da horta, do Pomar, das frutas, das galinhas, enfim, de tudo...

O Padre Martinho era o Reitor do Colégio. Autoridade máxima daquela Instituição de Ensino Vocacional. Gente Ruim, tanto quanto o Padre Oscar.

No segundo ano que freqüentei o colégio, já próximo das férias aconteceu o episódio entre nós, eu e o Padre Martinho.

O tal padre era, também, nosso professor de Inglês. Durante sua aula ele pediu a um aluno, sentado atrás de mim, que lesse um trecho qualquer no livro. O garoto havia escrito qualquer coisa na capa e eu, curioso como todo garoto, virei a cabeça e tentava ler o que ali estava escrito. O Padre não gostou e deu a bronca:

“Edson, vire prá frente...”

Nessa época eu tinha mania de “beijar Santo”, ou seja, estalar os lábios fazendo um som como quem dá um beijo, mas que se faz quando algo te contraria.

Ao ouvir o tal som o Padre mandou:

“Edson, fica em pé...”

Fiquei de pé, encostado na carteira, mas, Beijei santo de novo.

O Padre: “...tira a bunda da carteira...”

Beijei santo e desencostei...

“...Vem prá frente da sala...”

Beijei santo e fui...

“...Vai prá fora e só vai entrar de novo na sala de aula quando me pedir desculpas...”

Beijei santo e saí...

Não entrei novamente na aula de inglês. Passaram-se 1, 2, 3 aulas e eu no corredor. Imaginem essa situação num colégio interno. Causa alvoroço. Eu estava medindo forças com o Padre Reitor. As férias se aproximando e a situação sem solução. Na minha cabeça de criança (11 anos) eu não tinha dado nenhum motivo para aquela fúria toda, mas o homem não voltava atrás e eu também era teimoso...

O Zé Roberto, talvez por ser o mais velho dos que faziam parte do nosso grupo, foi incumbido de me passar o recado:

“O Padre Martinho disse que se você não for pedir desculpas prá ele amanhã você será expulso do colégio...”

Ser expulso era talvez a coisa mais terrível que poderia acontecer a alguém. Você não poderia estudar em nenhum outro colégio. Seria o fim para qualquer aluno.

Chorei a noite toda e no dia seguinte, logo após a oração da manhã, fui até o quarto do Padre Martinho, tremendo de medo, mas, tentando parecer firme, bati na porta.

“...o senhor disse que era prá mim vir pedir desculpas, mas, eu não sei o que fiz de errado...”

O Padre me olhou com uma cara de desdém. Ficou vermelho e começou a gritar:

“Não sabe o que fez ? Então o Senhor se acha no direito de “beijar Santo” quando alguém lhe chama a atenção ? Eu vou te desculpar sim mas depois de um corretivo...

Está vendo ali em cima do armário...” e apontou para uma varinha em cima de um armário no canto do quarto.

“Pegue...e me dê...”

Entreguei a varinha na mão do Padre magro e careca (talvez por isso hoje eu detesto o José Serra). Ele mandou que eu mostrasse as minhas duas mãos. Fiquei olhando fixamente para os olhos do carrasco enquanto ele aplicava 4 varadas, 2 em cada mão. Não expressei qualquer reação. Devo ter ficado vermelho, roxo, sei lá.

“Agora pode ir.... e que isso não mais se repita...”

Me tranquei no banheiro e chorei, chorei... chorei tudo que podia e precisava.

No dia seguinte voltei ao quarto do Padre e falei:

“Compre 1 passagem só de ida prá São Paulo. Eu não vou voltar após as férias...”

Já no final das férias, numa tarde, eu vi um urubuzão (na época os padres usavam as batinas pretas) subindo a Rua Luis da Fonseca Galvão. Pensei: “Ele vai em casa...”

Corri, entrei em casa e me escondi atrás de uma cortina.

O Padre chegou se apresentou e minha mãe se encheu de mesuras, pois, prá ela era uma honra receber uma pessoa tão ilustre. Ela não sabia de nada sobre o que acontecera. Só sabia que eu não queria voltar mais pro seminário, o motivo ela morreu sem saber.

O Padre por sua vez estava com medo que eu houvesse contado alguma coisa prá ela e temia pelas conseqüências, por esta razão fora até em casa tentar contornar qualquer situação que lhe fosse prejudicial. Ouvi a conversa:

“...ele falou prá senhora porque não quer voltar após as férias ? “

“ Não, ele só disse que não quer estudar mais... Estou tentando convencê-lo a voltar mas não tem jeito. Ele é muito teimoso...”

O Padre estava aliviado, com um lenço enxugava o suor, enquanto se despedia e pouco depois sumia na esquina para que eu nunca mais o visse.

Tchau, Urubu !!!

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