VASELINA
Antes só via as figuras. Até imaginava ao ver um boneco em uma propaganda que se ele olhasse fixamente para o mesmo, fechasse a revista “O Cruzeiro”, ao tornar a abrir a figura houvesse mudado de lugar. Tentou isso um monte de vezes. Não deu certo. Ele achou que o problema era seu. Não se concentrara o suficiente.
Quando aprendeu a ler, se viu num mundo encantado. Para ele era uma felicidade pegar os gibis de seu primo Izidoro para ler. Tinha Billy The Kid, Cheyenne, Hopallong Cassidy, Dom Chicote, Zorro (O do faroeste, Mascarado, amigo do Tonto, do cavalo Silver, etc), Tarzan, Fantasma e outros.
Ele mesmo era um mocinho, um cavaleiro invencível. Numa corrida ninguém o alcançaria. Chegou mesmo a inventar um jeito diferente de correr, dando pulinhos e passou a desafiar seu irmão Wagner para que o apanhasse. Algumas vezes ele ganhou em outras foi agarrado e tomou uns sopapos. Aí ele atribuía a uma pedrinha no caminho o seu infortúnio e seguia em frente. Na cabeça ainda era um herói.
Seu ídolo era o seu primo Izidoro. Na época devia ter uns 18 a 20 anos. Um craque de bola. Era adorado pelo pessoal do “Onze Paulista” onde jogava. Vivia no olaria, nos intervalos do serviço, montando a “Boneca”, uma mulinha mansa que tinha por lá. Quando se arrumava penteava os cabelos com vaselina e ficava igualzinho aos mocinhos do gibi.
Lógico que o garoto não seria diferente. Aos domingos para ir à missa ele faria a mesma coisa.
Na olaria as casas não tinham luz elétrica, água encanada, gás, nada. Nenhum conforto desses modernos como conhecemos hoje. No quarto um guarda-roupas cuja porta principal tinha um espelho pelo lado de dentro que servia como toucador.
Todos se arrumaram para a missa dominical. O menino foi o último. Pegou a lamparina de querozene, abriu a porta do guarda-roupas, ajeitou a lamparina dentro do mesmo de forma a iluminar sua figura no espelho. Passou vaselina nos cabelos e se penteou. Ficou lindo. Fechou a porta e foi prá igreja no Capão Redondo.
Ao retornarem, 2 ou 3 horas mais tarde, alguém percebeu um fumaceiro no quarto. Abriu-se o guarda-roupa. A lamparina havia se apagado, felizmente, porém a fumaça com o forte cheiro de querozene havia pretejado as roupas que estavam penduradas. Entre as roupas um vestidinho branco da primeira comunhão da sua irmã Helen.
Adivinhem o que aconteceu com o herói. Virou Bandido...
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