Ao circular por áreas do centro, de dia e de noite, pude observar o quanto essa presença da periferia se exprime de várias formas deixando suas marcas a partir das interações estabelecidas.
Grandes levas de pessoas viajam horas, apertados em meios de transportes sem nenhum conforto para terem sua força de trabalho explorada em troca de um mísero salário. Somam-se a esses viajantes das periferias os milhares que já vivem nas regiões degradadas da cidade. Em cortiços no Brás, Parque Dom Pedro, Bom Retiro, Avenida São João, Bexiga uma parte da Bela Vista, Liberdade, Estação da Luz, Vale do Anhangabaú, Praça da Sé e da República, entre outras.
Além dos corticeiros desses locais, existe um número imenso de moradores de rua. Desempregados a procura de empregos, usuários de crack, subempregados, trombadinhas e trombadões, jovens e crianças abrigadas, jovens em busca de espaços de consumo e lazer, que fazem do centro da cidade de São Paulo um mundo de diversidades culturais, marcado por estilos, caracterizados por vestimentas, gírias específicas, rearranjando espaços para formas diversas de sociabilidade.
Esse grande número de pessoas pobres e miseráveis, moradores ou não, que ocupa diuturnamente os espaços do Centro, demonstra que o padrão de urbanização, que postula que as classes médias e altas devam morar nos bairros centrais enquanto os pobres devam ficar confinados nas periferias afastadas do centro, não é rígido.
Ricos e pobres experimentam o centro da cidade de formas bem diferentes. Os primeiros o conhecem através das janelas, muitas vezes com películas protetoras e/ou vidros blindados, não andam nas ruas e não freqüentam muitos espaços públicos da cidade. Andam de um estacionamento de um condomínio a um estacionamento de outro prédio. Olham a cidade do alto. Vivem, circulam e procuram lazer em espaços monitorados por câmeras e acompanhados por seguranças armados.
Já os pobres são abandonados à esfera publica tradicional das ruas. Esses circulam por todo o centro, freqüentam as ruas cotidianamente, conhecem os perigos e riscos, os odores, os buracos, os esquemas dos traçados labirínticos, das pontes, ladeiras, praças e escadarias. Neste sentido, o centro é invadido pela cultura de periferia, não só porque os da periferia o freqüenta para o lazer e para trabalho, como também por causa da grande população pobre permanente em cortiços, submoradias, abrigos e orfanatos ou mesmo embaixo de marquises e pontes. As classes dominantes criam uma série de artifícios para poder expulsá-los desses espaços: paredes cheias de pedras embaixo de pontes, fechamento de parques e banheiros públicos, esguichos em locais onde eles se reúnem para dormir.
O processo de "gentrification" falhou, se é que ele já foi colocado em prática, em várias áreas do Centro de São Paulo. Ou seja, a intenção de empurrar os moradores pobres, negros, nordestinos e outros de baixa renda para as afastadas periferias não deu totalmente certo. Primeiro, por que as pessoas resistem, a partir da criação cotidiana de estratégias de sobrevivência. Segundo porque, o centro como espaço que reúne uma diversidade de serviços precisa de um grande contingente de mão de obra. Nem todas as pessoas que trabalham no centro se submetem a longas viagens diárias. Alguns desses procuram submoradias em regiões degradadas do centro. Por isso, a degradação de determinadas áreas do centro da cidade possibilita que os pobres continuem a ocupá-lo mais efetivamente.
"gentrification": Fenômeno criado pela ação da especulação imobiliária. É uma espécie de processo de “enobrecimento” que ocorre quando uma área central, estagnada e/ou degradada de uma cidade recebe investimentos em serviços e/ou infraestrutura básica. Esse fenômeno acaba por expulsar as camadas empobrecidas, que ocupam essa região central, para as periferias. Em função da supervalorização dos preços para se morar nessa região, só os que têm poder aquisitivo maior consegue ocupa-la (KOWARICK, Lucio. A espoliação urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1979:21,22,37).
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