LIÇÕES DE VIDA – O MOREIRA
O shopping não estava lotado como era de costume. Nesta época do ano era normal uma queda de freqüência, de um lado já se haviam superado os rigores do inverno, ultimamente não tão rigorosos assim, e de outro, ainda era cedo para as compras de final de ano.
O programa era procurar numa loja de informática um cartucho para minha impressora. Talvez aproveitasse para ver mais alguma coisa.
Afinal, tínhamos tempo, eu e o Nelson, meu cunhado, só precisávamos voltar lá pelas 6 da tarde, pois, as nossas respectivas esposas haviam saído juntas, e quando as duas irmãs saiam juntas podíamos esquecer da vida, principalmente se fossem comprar alguma coisa.
- A loja do Moreira está sempre lotada. Não é ?
- O cara tem uma sorte enorme. Há quantos anos nós conhecemos esse cara.
- Sempre desse jeito. Respondi.
- Você já percebeu que ele está sempre de bom humor ?
- Também, poxa, ganhando a grana que ele ganha aqui. Olha que o que ele vende não é nada barato.
Nisso puxei o Nelson pelo braço, estávamos em frente ao café. Pedimos um “capuccino”.
Enquanto tomava o chantilli com a colherinha continuei a observar a loja do Moreira mais à frente. Era uma loja pequena. Deviam trabalhar ali uns 5 balconistas, todos velhos de casa. Trabalhavam aparentemente satisfeitos. Além dos balconistas mais 3 ou 4 pessoas cuidavam do resto. Trabalhavam nos bastidores, um rapaz que cuidava da papelada e documentação da loja, uma senhora que responsável pela limpeza e fazia um café gostoso como ninguém, e, por fim, um alfaiate que ajustava as roupas vendidas aos clientes, quando necessário.
Eu estava tentando entender porque, diferentemente dos demais lojistas, o Moreira não tinha crise, não tinha época ruim, estava sempre de bom humor, etc. Seus empregados eram alegres, joviais, atendiam a todos como se já os conhecessem a anos. Àqueles que já eram clientes antigos dedicavam sempre uma atenção a mais. Um certo ar de cumplicidade com cada um em particular que fazia com que a gente se sentisse especial. Dentro da loja você se sentia bem, em casa, entre amigos de verdade.
- Acho que já entendi. Disse
- Entendeu o quê ? Perguntou o Nelson intrigado.
- O sucesso do Moreira. Você sabe, ele pede aos empregados para te atenderem bem e assim você acaba voltando sempre. Veja como como se comportam o João, o Luis Carlos, a Wilma, enfim, todos os vendedores dele.
- Eu acho que não é só isso, não. Tem tanta empresa que o dono pede para o empregado atender bem e a coisa não funciona. Porque ?
- Ah, não sei. Mas o Moreira vem aí, podemos perguntar prá ele. Que tal ?! O Moreira havia nos visto e caminhava em nossa direção com seu sorriso largo. Era um homem forte de meia altura, aparentando 50 e poucos anos.
- Opa até que enfim os senhores apareceram prá me pagar um café...
- Moreira a gente estava justamente falando de você. Explicou o Nelson
- Bem ou mal ? Perguntou ele, dando em seguida uma gostosa gargalhada.
- Moreira, vem cá.... Assumi um certo ar de seriedade. Me explica uma coisa como é que você consegue manter sua loja cheia o ano inteiro, quando as outras estão vazias ?
- Dá um café desses de rico prá mim também. Falou enquanto piscava para a moça referindo-se ao capuccino que estávamos tomando. Virou prá mim e rindo disse:
- Não tem segredo nenhum, só trato meus empregados e meus clientes como quero ser tratado. O resto é um círculo vicioso.
- Como assim ?
- Veja bem eu gosto de ser tratado com educação, logo, eu trato as pessoas com educação. Eu imagino que se fosse vendedor em minha própria loja, gostaria de ser bem remunerado, de ser tratado com dignidade, de participar das decisões, etc.
- Uma espécie de democracia...
- Eu tomo as decisões, disso eu não abro mão, porém, quando elas afetam diretamente o ganho dos vendedores, o que ocorre na maioria das vezes, eu faço questão que eles opinem.
- E sobre ser bem remunerado ?
- Os meus vendedores ganham o mesmo que a maioria dos vendedores deste shopping, percentualmente, porém, como vendem mais acabam sendo melhor remunerados. Não tenho nenhum prejuízo com isso, muito pelo contrário. Aliás, torço muito para que meus vendedores ganhem mais. Abriu um sorriso...
- Mas é só isso ? E o cliente onde é que entra nessa ? Perguntou o Nelson...
- Eu procurei conscientizar meu pessoal que nossos clientes são nossos amigos e assim devem ser tratados. Aquilo que vale para meus empregados, vale para meus clientes. O tratamento com dignidade, atenção, amizade, cumplicidade. Valorizar cada pessoa que entra na loja. Não porque ele deixará ali o seu dinheiro, mas porque gostamos do que fazemos e só assim o cativaremos. Ele é um amigo, cative-o!!!
- Aí completa-se o círculo ?
- Exatamente. Eu trato bem a meus vendedores e meus clientes. Meus vendedores e o restante do meu pessoal, atende bem a clientela. Esta por sua vez acaba voltando à minha loja porque gosta de ser bem tratada e porque sabe que encontrará sempre “algo mais”.
- Tem razão. Mas isso não deve ser fácil manter por anos a fio.
- É fácil se você utilizar o próprio ambiente de trabalho como um realimentador para seu espírito. Quando eu ou qualquer um de nós está um pouco “prá baixo”, o ambiente, ou melhor, todos os demais procurarão levantar o astral. É assim que funciona. Mas chega de falar de mim e vocês que estão fazendo por aqui ?
- Nada importante. Só batendo perna. Acudiu o meu cunhado. Eu de minha parte sempre que posso caminhar eu procuro fazê-lo, estou me dando bem com isso.
- É, você emagreceu bem, não ?
- Rapaz, já perdi 12 kilos desde que comecei os exercícios e as caminhadas. Você sabe que tenho umas 5 ou 6 calças daquelas que comprei no ano passado que já não posso usar.
- Ora porque não ? Porque não traz aqui prá gente ajustar prá você ?
- Não sei se compensa, Moreira.
- Porque não compensaria ? Traga aqui nós ajustamos as calças e você volta a utilizá-las novamente.
- Mas vai ficar mais caro que uma calça nova...
- Porque ficaria ? Meu alfaiate não vai te cobrar nada. Porque eu cobraria ?
- Porque se você ajustar estas calças deixará de vender outras que eu precisaria comprar, não ?
- Aí é que está. Eu não estou interessado em te vender 6 calças agora, mas pretendo com toda certeza vender calças prá você e seus familiares pelo resto da vida. Aquilo que eu te falei sobre cativar é isso.
Ficamos ali de bocas abertas enquanto o Moreira voltava para a sua loja depois de pagar os 3 capuccinos.
COMENTÁRIOS
Colaborações deste autor:
Para ver todas as contribuições deste autor, clique aqui.